Um
exercício pra entrar no clima: na frase “confronto entre polícia e _______
deixa 150 feridos”, que palavra completa a lacuna? Não que eu ache que devam
existir conflitos com feridos, mas, se tivesse que dar uma resposta, pensaria
em algo como “bandidos”, “traficantes” ou “suspeitos”. “Professores” não
deveriam fazer parte dessa frase nem se ela fosse questão de apostila. Muito menos
dessa situação real da manifestação em Curitiba, estampada ontem em vários
veículos de comunicação do Brasil.
Hoje o dia começou com a hashtag
#somostodosprofessores bombando nas redes sociais. Assim como, nos últimos
anos, tanta gente foi Guarani Kaiowá, tanta gente foi Amarildo e outros tantos
foram macacos, hoje nosso país amanheceu com um contingente virtual de
educadores. É claro que o apoio é válido. As redes estão aí para isso mesmo,
para divulgar as coisas em que se acredita. Mas depois de amanhã o que
acontece?
Assim
como a aldeia Kaiowá, sem os índios da internet, voltou a ser reduzida a
algumas dezenas de habitantes, na próxima segunda, quando o sinal da entrada
tocar nas milhares de escolas públicas e particulares da nação, a maioria do
público do Facebook estará a caminho de seus X outros trabalhos. Porque da
mesma forma como, por maior que seja a nossa solidariedade, muitos de nós
jamais vamos sentir na pele a realidade da família do Amarildo, também não
vamos saber como é a rotina daqueles que passam várias horas do dia diante de
uma sala de aula lotada, com a responsabilidade de lapidar gente.
Fomos
quase todos professores em algum ponto da infância. As meninas, principalmente.
Mas em algum momento entre as fileiras da escolinha de bonecas e as carteiras
do cursinho pré-vestibular, escutamos dos mais velhos que isso não dava dinheiro
ou que era muito difícil. “Por que você não escolhe outra coisa, minha filha?”
E acabamos escolhendo mesmo. Afinal de
contas, eles não estavam mentindo. Ser professor no Brasil é difícil e não dá
dinheiro. Alguns ainda insistem. Fazem licenciatura, pedagogia e vão atrás
do sonho de transmitir conhecimento. Mas as condições de trabalho são tão
precárias que fazem tombar muitos destes corajosos. Faço pós-graduação em
Tradução e minha turma está cheia de professoras esgotadas, que viram seu
idealismo de faculdade ser sugado por um sistema de ensino sucateado e agora procuram
uma alternativa de trabalho.
Mas
todo mundo quer educação. Palavra bonita, né? EDUCAÇÃO. Todos os políticos, sem
tirar nenhum, adoram esse termo. Fica bonito na TV, fica bonito nos programas
de governo. O povo também adora. “Não queremos Copa, queremos educação.” “Menos
corrupção, mais educação.” Educação é a solução pro país. Óbvio que é. Ninguém discorda.
Mas quem vai estar nas escolas quando tocar o sinal da entrada? De quem nossas
crianças vão se lembrar, como eu me lembro da Tânia, que me fazia até gostar
das aulas de matemática, do Paulinho, meu professor de literatura do segundo
grau, ou do Chico e do Potiguara, meus orientadores da faculdade? Hoje, não tenho
a mais vaga ideia de como se resolve um logaritmo. As melhores memórias que
temos dos nossos professores não são dos conteúdos, mas das pessoas. A sala de
aula é o lugar da troca, de aprender e ensinar a ser humano. E existem cada vez
menos incentivos para ocupar esse lugar.
Todos
fomos alunos. E todos os que vêm depois precisarão ser alunos. Mas os conflitos
policiais reais só ilustram o que todos já sabem: que ser professor, hoje em
dia, é se alistar numa guerra. Contra os baixos salários, contra a violência
escolar, contra as péssimas condições de trabalho e até contra balas de
borracha e spray de pimenta. Queremos educação, desde que quem eduque não seja
eu, nem meu filho. Todos precisarão ser alunos. Mas professores, seremos cada
vez menos. Por mais hashtags e campanhas que se criem em redes sociais.