quinta-feira, 30 de abril de 2015

Não somos todos professores

           

          
          Um exercício pra entrar no clima: na frase “confronto entre polícia e _______ deixa 150 feridos”, que palavra completa a lacuna? Não que eu ache que devam existir conflitos com feridos, mas, se tivesse que dar uma resposta, pensaria em algo como “bandidos”, “traficantes” ou “suspeitos”. “Professores” não deveriam fazer parte dessa frase nem se ela fosse questão de apostila. Muito menos dessa situação real da manifestação em Curitiba, estampada ontem em vários veículos de comunicação do Brasil.
            Hoje o dia começou com a hashtag #somostodosprofessores bombando nas redes sociais. Assim como, nos últimos anos, tanta gente foi Guarani Kaiowá, tanta gente foi Amarildo e outros tantos foram macacos, hoje nosso país amanheceu com um contingente virtual de educadores. É claro que o apoio é válido. As redes estão aí para isso mesmo, para divulgar as coisas em que se acredita. Mas depois de amanhã o que acontece?
Assim como a aldeia Kaiowá, sem os índios da internet, voltou a ser reduzida a algumas dezenas de habitantes, na próxima segunda, quando o sinal da entrada tocar nas milhares de escolas públicas e particulares da nação, a maioria do público do Facebook estará a caminho de seus X outros trabalhos. Porque da mesma forma como, por maior que seja a nossa solidariedade, muitos de nós jamais vamos sentir na pele a realidade da família do Amarildo, também não vamos saber como é a rotina daqueles que passam várias horas do dia diante de uma sala de aula lotada, com a responsabilidade de lapidar gente.
Fomos quase todos professores em algum ponto da infância. As meninas, principalmente. Mas em algum momento entre as fileiras da escolinha de bonecas e as carteiras do cursinho pré-vestibular, escutamos dos mais velhos que isso não dava dinheiro ou que era muito difícil. “Por que você não escolhe outra coisa, minha filha?” E acabamos escolhendo mesmo. Afinal de contas, eles não estavam mentindo. Ser professor no Brasil é difícil e não dá dinheiro. Alguns ainda insistem. Fazem licenciatura, pedagogia e vão atrás do sonho de transmitir conhecimento. Mas as condições de trabalho são tão precárias que fazem tombar muitos destes corajosos. Faço pós-graduação em Tradução e minha turma está cheia de professoras esgotadas, que viram seu idealismo de faculdade ser sugado por um sistema de ensino sucateado e agora procuram uma alternativa de trabalho.
Mas todo mundo quer educação. Palavra bonita, né? EDUCAÇÃO. Todos os políticos, sem tirar nenhum, adoram esse termo. Fica bonito na TV, fica bonito nos programas de governo. O povo também adora. “Não queremos Copa, queremos educação.” “Menos corrupção, mais educação.” Educação é a solução pro país. Óbvio que é. Ninguém discorda. Mas quem vai estar nas escolas quando tocar o sinal da entrada? De quem nossas crianças vão se lembrar, como eu me lembro da Tânia, que me fazia até gostar das aulas de matemática, do Paulinho, meu professor de literatura do segundo grau, ou do Chico e do Potiguara, meus orientadores da faculdade? Hoje, não tenho a mais vaga ideia de como se resolve um logaritmo. As melhores memórias que temos dos nossos professores não são dos conteúdos, mas das pessoas. A sala de aula é o lugar da troca, de aprender e ensinar a ser humano. E existem cada vez menos incentivos para ocupar esse lugar.
Todos fomos alunos. E todos os que vêm depois precisarão ser alunos. Mas os conflitos policiais reais só ilustram o que todos já sabem: que ser professor, hoje em dia, é se alistar numa guerra. Contra os baixos salários, contra a violência escolar, contra as péssimas condições de trabalho e até contra balas de borracha e spray de pimenta. Queremos educação, desde que quem eduque não seja eu, nem meu filho. Todos precisarão ser alunos. Mas professores, seremos cada vez menos. Por mais hashtags e campanhas que se criem em redes sociais.