terça-feira, 10 de março de 2015

O Rio é um carioca


Não foi amor à primeira visita. Vim só pra conhecer, pra ver qual era. E ele era realmente tão lindo quanto diziam, tão cenográfico quanto as novelas mostravam. Mas naquele dia era ao vivo. Ele, Rio de Janeiro, e eu aos 20 anos, no topo do Corcovado pela primeira vez. Setembro de sol, braços abertos sobre mim e a Guanabara, e eu meio que sem querer piscar, pra não perder nenhum milissegundo daquela vista que atraía os olhares do mundo. Amor ainda não era, que amor vem com o tempo. Mas aposto que ali, na minha cara embriagada de céu e verde e mar, ele, o Rio, sabia que já tinha me ganhado. Porque o Rio, meus amigos, o Rio é um carioca.
Quase tudo já foi cantado, fotografado, escrito em verso e prosa sobre o Rio e suas mulheres. Boa parte disso pelas mãos, olhares e vozes dos homens cariocas, campeões nacionais daquela conversinha mole que a gente sabe bem qual é. E mesmo que hoje em dia exista mais “goshtosa” do que Chicos, Tons e Vinícius sussurrando em nossos ouvidinhos, no fundo um certo charme carioca ainda persiste. E não estou falando só dos moços sarados, lindos e cheios de graça que passam com seu doce balanço a caminho do mar. Na verdade, esse nem é bem o perfil dos cariocas que já tiraram meu sono, mesmo antes de morar aqui. O borogodó local, um não sei o quê perdido entre a malandragem e a poesia, transcende estilos e classes sociais.
Depois daquela primeira visita, vieram outras. Assim de passagem, sem compromisso, como beijos num bloco de carnaval. Descendo do navio no Píer Mauá, conhecendo um pouco por dia, aprendendo caminhos, trocando o andar de turista agarrada na bolsa por um certo ar de quem sabe aonde vai (mesmo quando não fazia ideia). E numa dessas visitas, andando pela avenida Rio Branco, me peguei pensando em como seria ficar. Porque é fácil querer ficar vendo o pôr do sol no Arpoador. Mas querer ficar depois de bater perna no Saara, com um calor digno do nome, é o mesmo que se pegar pensando num cara enquanto corta cebola e concluir: “fudeu, estou gostando dele”. E eu estava.
Ele, o Rio, esperou a hora certa de chegar. O encontro aconteceu, como tantos outros, através de uma amiga. Era o Rio convidando, proposta irrecusável, quem não iria querer? Eu disse “quero”. E vim de mala e cuia ao encontro dele, com os braços abertos como o Cristo que me acostumei a ver.
E foi assim que eu descobri que nem só de dias de sol, brisa de mar e barquinho a navegar é feita a vida no errejota. Um casal que passa a conviver se dá conta das manias, vê a tampa da privada levantada, a toalha molhada na cama. O dia a dia aqui me mostrou um trânsito bruto, preços altíssimos, o atendimento muitas vezes ruim. E ainda instalou no meu sistema um certo radar de assalto com visão periférica que liga assim que a gente sai de casa.
Existem mil cidades mais seguras, como existem “bons partidos” no amor, prontos para oferecer uma vida mais estável e linear. Mas é na intensidade que o coração bate, é no calor que o corpo vibra, e é por isso que a gente fica, de novo e ainda, mesmo dizendo que é a última vez ou “só mais um pouquinho”. Porque o Rio encantado é na verdade um carioca real: humano, pulsante, vivo e incerto, com o bem e o mal dentro de si. Como somos todos, afinal.
Desde o dia em que trouxe as malas, já se passaram quase três anos. Em alguns momentos faltou dinheiro, em outros sobrou suor. Mas nunca, nunca mesmo, faltou emoção. Cada vez que eu me encho e penso em ir embora, ele me presenteia com uma paisagem incrível, uma roda de samba, uma trilha, um novo bar. Passo um calor infernal, mas chego na praia em 20 minutos (e isso para uma mineira tem muito valor). A mão continua pousada na bolsa, porque é prudente mesmo deixá-la ali, mas agora com mais leveza. Posso até querer uma vida mais pacata algum dia, mas por enquanto sigo, por escolha, neste relacionamento meio “mulher de malandro” com o Rio. Porque podia não ser amor naquela primeira visita, naquele rolinho despretensioso, naqueles encontros casuais. Mas, nos últimos tempos, às vezes me pego pensando em um dia firmar compromisso com ele, eterno enquanto dure, de papel passado e escritura na mão.

4 comentários:

Anônimo disse...

Oba!!! Adoro seus textos e super apoio a volta!!!

Anônimo disse...

Esqueci de assinar: A amiga,rs

Anônimo disse...

Felicidades, Vanessa! Gosto muito!

Fe disse...

Q bom q vc tá aqui!! :)
Acho q essa cidade tem um imã.